Vagando pelo Skoob, rede social onde tu marca e classifica os livros que já leu, descobri que a maioria dos comentários referentes a um dos livros que eu mais gostei de ler nos últimos meses era negativa. Vários (váriAs, na real) leram o livro, não gostaram, e foram lá na aba "resenhas" falar mal.
Como explico no texto, não me aguentei e tive que responder - pouco me importava que a resenha mais recente fosse de três anos atrás:
"Com tantas resenhas negativas para esse livro, me vi compelido a escrever uma positiva. Não gosto da ideia de curiosos com a obra ficarem desinteressados depois de lerem tantos comentários falando mal da mesma. Vou contrapor e defender Os Filhos do Imperador.
Primeiro, serei chato, e vou desmerecer a maioria das críticas voltadas ao livro. Quase todas as “resenhas” aqui são comentários curtos e grossos (alguns em caps lock), xingando principalmente a narração, e provavelmente escritos por impulso, logo no momento de seus autores terem finalizado a leitura. Vão me desculpar, mas uma resenha, ainda que não deva ser tão fundamentada quanto uma crítica, certamente é um texto com o mínimo de razoabilidade, e não algo que possa ser cuspido da boca para fora, como se fosse apenas uma frase em uma conversa de bar.
Depois, só li o livro bastante tempo após tê-lo comprado. É basicamente instintivo comigo, eu não penso nisso, mas gosto de dar essa ideia para as pessoas. Sempre que vocês comprarem um livro, esperem um tempo até começarem a ler. É bom porque tira a expectativa de “bah, comprei um livro que parece super legal, gostei muito da sinopse, mal posso esperar para começar a ler!”. Pensar isso é praticamente destruir boa parte das surpresas que o livro aguarda. Evitem fazer isso, sério mesmo.
Enfim, comprei o livro, deixei ele “de molho”, e só o peguei de novo anos depois. Nem li a sinopse – eu comprei ele pela capa, sim, e faço isso constantemente. Comecei a ler, e muito rapidamente fiquei encantado justamente com aquilo que mais desagradou a maioria dos comentadores abaixo: a narração. O modo que Claire Messud encontrou de costurar os sentimentos e os pensamentos de seus personagens, sem soar expositiva demais, é maravilhoso. Ela evita ao máximo começar a descrever o estado de espírito dos personagens com frases do tipo “Então fulana pensou blablabla”. Não. Ela criou uma estrutura de linguagem muito mais interessante que isso. Ela narra cada capítulo referente a cada personagem como se fosse o próprio personagem que estivesse narrando. Só que é simplesmente narração em primeira pessoa (recurso já batido, embora ainda interessante). Messud narra, como narradora onisciente, na mesma linha de pensamento que seus personagens. Fica transitando sutilmente entre um ponto de vista e outro, inteirando o leitor do que passa pela cabeça daqueles personagens, mas sem jamais soar óbvia demais. Provavelmente devido à sutileza com que esse recurso de estilo foi empregado, muitos não se deram conta dele, não compreendendo e muito menos aproveitando a sofisticada narração do livro.
Ou seja, o que cansou e aborreceu alguns na leitura, foi o que mais me animou a continuar lendo. Embora, sim, haja excessos quanto à descrição dos ambientes. Mas não é algo que encaro como necessariamente negativo no processo de leitura. Pelo menos eu ainda me lembro bem de todos os cômodos habitados por Danielle, Marina, Frederick, Murray, e Julius. É não é fácil lembrar da construção imaginária de qualquer espaço fictício. Foram as extensas descrições de Messud que marcaram esses locais na minha cabeça.
E por falar nos personagens, é preciso dizer que raramente encontrei uma galeria de personalidades tão bem construídas e críveis. Todos os personagens são interessantes, e plausíveis. Qualquer um deles você poderia encontrar andando pela rua. E particularmente adorei o fato de não haver um protagonista definido. A narrativa se alterna entre os cinco personagens centrais, mas não se foca demasiadamente em nenhum deles. Aí realmente entra o problema, já citado por uns, de a parte que narra a vida de Julius ser a mais desinteressante. É a mais curta, e a menos desenvolvida em profundidade. São os trechos que menos se destacam durante a leitura, os únicos que eu realmente achei dispensáveis. Julius é um personagem importante, ele é o elo entre Danielle e Marina, mas sua vida poderia ter sido melhor explorada. Spoiler: O modo como seu relacionamento acaba, então, é terrivelmente forçado.
O final da leitura pode parecer súbito e insatisfatório, porém eu o enxergo de outra maneira. Aparentemente a narrativa termina como ela começa: do nada. Entramos na vida dos personagens em determinado momento, e os acompanhamos até outro. Ponto. Na superfície, pode até ser que sim, e o livro funcionaria muito bem dessa maneira (como eu creio que funciona para quem o lê dessa maneira, sem se aprofundar na interpretação da leitura) – e nessa linha a opção de a história citar o 11 de setembro me parece gratuita. No entanto, acredito que a narrativa começa, sim, do nada, mas acaba em outra ponta, totalmente diferente. O ideal seria que o 11 de setembro nem fosse mencionado na sinopse, e que o leitor fosse surpreendido com aquele final drástico. Como essa informação já foi totalmente banalizada pela editora e por todos aqueles que leram o livro, não me censurei. Agora estou defendendo o livro, em prol da editora que não soube vender o material (apesar da belíssima capa). Acredito que a leitura seria drasticamente diferente caso a citação do 11 de setembro não estivesse na contracapa do livro. Independente disso, o que realmente importa é que, depois todas as mudanças que ocorreram aos personagens durante esse ano de narrativa, eles nunca mais seria os mesmos. O 11 de setembro é meramente simbólico nesse sentido. É uma metáfora para simbolizar a brutal mudança que mesmo os atos mais sutis podem impulsionar na vida de alguém.
A interação entre aqueles personagens fez com que cada um deles mudasse internamente, afetando todas a sua volta, consequentemente.
Os Filhos do Imperador é um drama sobre pessoas. Sobre seus problemas, suas dúvidas, seus erros, seus acertos... É uma história sobre o ser humano contemporâneo – especificamente o norte-americano, mas sem se ater a esse, possibilitando a identificação de qualquer leitor. Acredito que cada um daqueles personagens principais vá despertar alguma sensação em quem leia o livro: pena, repulsa, inveja, solidariedade, respeito, admiração... Não apenas uma dessas palavras, mas várias, simultaneamente, umas se sobrepondo às outras, invariavelmente. Tudo para resultar em uma só que resume todas as outras: identificação."
Enfim, talvez tenho me alongado, mas espero ter passado uma imagem positiva da obra. Recomendo a leitura.
Título: Os Filhos do Imperador.
Autora: Claire Messud.
Editora no Brasil: Nova Fronteira.
Ano: 2008.
Páginas: 478.
Impressão: Brochura.