terça-feira, 28 de outubro de 2008

Interpretação: Helga [2]


Afinal parece que conseguirei manter a série 'Interpretação'. Desta vez falo sobre o conto Helga, também de Lygia Fagundes Telles.
...
Trata-se de uma narrativa em primeira pessoa em que o protagonista (Paulo Silva) tenta explicar ao leitor o que a personagem título significou na sua vida.
...
Aparentemente confusa até por volta da metade do conto – mais especificamente quando Paulo nos detalha o momento exato no qual conheceu Helga – a história toma um rumo mais linear a partir daí até o derradeiro final, que nos explica o porquê da confusão inicial.
...
Pois bem, no início, Paulo – filho de alemã com um brasileiro, vivendo no Brasil - nos conta, não muito claramente, o fato de ter herdado o nome de seu pai sem tê-lo conhecido, e um pouco de seu passado envolvendo nazismo. Cita o nome de Helga em quase todos os parágrafos (nos dá a entender que foi seu grande amor) e é somente depois de relatar sua participação na II Guerra Mundial ao lado da Alemanha que podemos dizer que o conto realmente começou, pois Helga finalmente entrou na história.
...
Paulo diz ter conhecido Helga em uma farmácia para qual vendia mantimentos – a guerra tinha acabado e ele arranjara um modo de ganhar dinheiro vendendo tal tipo de coisa. Eis então que descobre, ao convidá-la para dançar, que Helga só tinha uma perna e que o que parecia ser a outra, era na verdade uma perna ortopédica – que seu pai Wolf, dono da farmácia, havia conseguido a muito custo, uma vez que isso era extremamente caro (e ainda o é).
...
Dias passam e Paulo fica amigo íntimo de Helga e de seu pai, que lhe conta seus planos para acumular uma pequena fortuna: investir em penicilina. O grande problema era o capital inicial. Precisava-se de muito dinheiro para começar tal negócio. Mais um tempo naquela situação, e Paulo comenta em casamento.
...
Agora, já no final da história, somos apresentados ao verdadeiro Paulo Silva. Sim, claro, ele se casa com Helga. Porém, casa-se em outra cidade e de noite rouba a perna ortopédica, foge, e vende o apetrecho. Consegue o dinheiro, investe em penicilina, fica rico e volta para o Brasil.
...
Terminada a leitura, acabamos descobrindo que Paulo era um grande canalha (para não dizer outra coisa); de fato, um nazista. Ficamos chocados ao constatar o sujeito que nos contou sobre uma Helga que parecia ser sua amada na verdade nunca a amou. Temos vontade de não acreditar naquilo que acabamos de ler; consideramos desconfortável e até implausível o tal desfecho.
...
Porém, ao relermos o conto, percebemos que o final, infelizmente, não é implausível. Aliás, é bem provável. A autora, competente como de costume, nos deixa pistas, à primeira vista ocultas, sobre o que acontecerá na trama. A linguagem enrolada do início da narrativa é uma prova disso. Notamos então que todo o texto é uma lamentação, um contido sentimento de culpa, e também uma autopunição – como o próprio Paulo Silva aparenta acreditar que seja.

4 comentários:

Iporã Possantti disse...

A Lygia adora deixar as pistas no decorrer do enredo.
Assim como é genial em transparecer o estado psicológico de seus personagens.

Gostei da interpretação!

Guilherme Huyer disse...

Obrigado!
Não creio haver uma escritora brasileira à altura de Lygia atualmente (se é que alguma vez houve).

Edimara Lisbôa Marteleto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edimara Lisbôa Marteleto disse...

Sucinta e bem desenvolvida. Boa interpretação!!