quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O Brasil, sua imprensa, e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro

O Ministério da Cultura e a Secretaria Audiovisual abriram as inscrições para os cineastas brasileiros que querem um lugar entre os cinco filmes indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Dia 16 de setembro, 8 dias depois do término das candidaturas, será eleito e informado ao público o nome do filme - escolhido por um júri de seis especialistas. A partir daí, o longa-metragem brasileiro passará pelos critérios da Academia de Artes de Ciências Cinematográficas (o Oscar) para ver se o filme é elegível. Se estiver dentro dos padrões, ele será assistido por uma comissão técnica específica da categoria Melhor Filme Estrangeiro - junto aos outros 95 filmes dos outros 95 países para quem a Academia enviou os formulários da competição. Desses 96 filmes, apenas 9 serão selecionados como 'semi-finalistas'. Então, são assistidos novamente e 5 ficam com as vagas. A votação para o vencedor é feita por todos que integram a Academia (contando que tenham visto os 5 indicados).
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(Creio ter explicado direito todo o processo de seleção dos longas-metragens.)
Pois bem, por que o Brasil quer tanto esse Oscar? E não me venham dizer que não sabiam disso! Todo ano, nas vésperas da realização do evento, a mídia brasileira fica enchendo jornais, revistas, televisão; fazendo de tudo para que o público brasileiro assista o Oscar na esperança de ver o país ser agraciado com uma estatueta. Por quê? Por amor à Pátria? Para nos induzir à cultura? Não. Eu acho que não.
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Não posso ter certeza, uma vez que não vivenciei a época e só comecei a me informar do assunto por volta de três anos, mas parece que praticamente desde que o Brasil se livrou da censura da Ditadura Militar, em 1985, estamos sedentos por um Oscar. Acabados mais de 20 anos de proibição de liberdade de imprensa, eu entendo esse desejo enlouquecido de mostrar para o mundo do que o Brasil era capaz de realizar (artisticamente, no caso). Porém, agora (23 anos depois), esse pensamento: “Vamos mostrar do que somos capazes!” não me convence. Soa falso. E pior, é falso. A imprensa brasileira, ao invés de melhorar com o aumento de concorrência, sofreu o efeito contrário. Piorou.
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Salvo raríssimas exceções, tudo é panfletário, superficial, comprado. Por essa razão (e outra que logo explicarei no próximo parágrafo) eu acredito que a propaganda que surge no período entre dezembro e fevereiro, na época do Oscar, falando coisas do gênero: “O Brasil tem fortes chances de ser indicado!”, não passa de uma falsidade. Uma mentira criada para atrair audiência às emissoras de TV aberta.
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Outro motivo que me faz descrer na mídia está no fato dela ser extremamente burra (também parte daquele efeito contrário da concorrência que já comentei no segundo parágrafo). É incrível a quantidade de equívocos que jornalistas de todas as áreas cometem (errar é humano, mas um suposto profissional, que escreve todo dia e erra todo dia, não deve ser tolerado). O cinema, junto a todo resto, fica obviamente prejudicado com isso. Por exemplo, as mesmas propagandas que falam que filmes nacionais têm grandes chances em levar um prêmio, em 90% das ocasiões, não sabem do que falam. Ou mentem por ignorância, ou por que querem vender qualquer informação, sendo ela verdadeira ou falsa (o caso das emissoras de TV aberta). Certamente o segundo caso é o pior. Sim, o ignorante também está errado; agora, quem sabe da mentira e mesmo assim publica afirmando ser verdade é muito pior. E é exatamente isso que faz a assustadora maioria de todos os jornais que se encontram por aí (não só no Brasil, mas nos atemos a esses casos).
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Dou, então, os dois exemplos mais relevantes dessa incompetência jornalística no Brasil, no campo do cinema.
*2004: Cidade de Deus consegue o feito inacreditável de ser indicado a quatro Oscars (de fato, isso foi fenomenal). Logo em seguida saem propagandas afirmando que o Brasil tem chances de ganhar... Convenhamos que 2004 foi o ano de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei. Mesmo apreciando o filme, mas não sendo grande fã, sabia que iria ganhar praticamente tudo à que foi indicado. E não era só eu, todos sabiam disso. E como Cidade de Deus foi indicado em quatro das 11 categorias em que O Senhor dos Anéis competia, estava mais do que claro que o filme de Fernando Meireles contava na competição apenas como um “convidado de honra”.
*2005: Todo país ficou emocionado e maravilhado com o filme 2 Filhos de Francisco. E esse foi o escolhido por aqueles seis especialistas que integram o júri que escolhe o longa-metragem brasileiro que competirá no Oscar. E, claro, a mídia se largou em cima e começou novamente a “Campanha para o Brasil ganhar um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro”. Só tem um problema. Ao contrário de Cidade de Deus, que teve uma propaganda imensa fora do Brasil, com 2 Filhos de Francisco isso não ocorreu. Não ocorreu por que, com um filme superestimado nas mãos, os produtores pensaram que tinham um lugar certo entre os indicados, e não se deram ao trabalho de lançar o filme em grande escala no exterior (leia-se: EUA). Logo, sem a publicidade necessária para ser reconhecido, o filme não foi levado a sério pela comissão responsável eleger os indicados a Melhor Filme Estrangeiro. Resultado: 2 Filhos de Francisco não foi indicado.
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Por fim chegamos os dois pontos que gostaria de comentar para fechar essa postagem: o júri - dos seis especialistas que definem qual filme lutará por uma indicação – e a política do Oscar em escolher o vencedor.
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Primeiro o júri. Esse júri explica bem mais um motivo que explica por que a mídia é idiota. Simples assim: se o júri, composto por supostos especialistas do ramo, já é incompetente na sua função, como é que a mídia pode ser responsabilizada pela sua própria ignorância dentro do mesmo meio? Se, em 2006 (para ser indicado em 2007) ao invés de escolher Anjos do Sol, o júri prefere Cinema, Aspirinas e Urubus, como podemos confiar nessa equipe de “especialistas?”. Não estou desmerecendo uma ou outra produção, mas é muito mais garantido ganhar um Oscar com um drama sobre prostituição infantil do que tentar apostar em uma comédia em que um alemão e um nordestino vendem aspirinas pelo sertão brasileiro. Se o júri soubesse disso, ou levasse isso em consideração, provavelmente já teríamos ganhado um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
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Finalizando, falo rapidamente do modo como os eleitores dos indicados a Melhor Filme Estrangeiro se portam. Mais do que tudo, para passar a ser um dos 9 ‘semi-finalistas’, e aí sim ter alguma chance, é imprescindível a propaganda. É impossível passar pela primeira fase de classificação sem ser bem reconhecido nos Estados Unidos. Esse é o primeiro pré-requisito. O segundo, para chegar a uma das 5 vagas finais, é a necessidade do filme de ter um enredo ‘emocionalmente preenchido’. Com isso quero dizer que é preciso uma forte carga emocional. Uma cena impactante, preferivelmente nos minutos finais, é quase que um passe livre para ficar entre os 5 indicados. Por quê? Por que quem elege os indicados vota logo depois da sessão dos mesmos. Ou seja, o filme que mais emocionar o votante, levará o voto.
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Qualquer dúvida, pergunte. Qualquer comentário, comente. Qualquer contestação, conteste (mas faça isso mantendo a classe - tudo que pode ser feito, pode ser bem feito)

Um comentário:

Iporã Possantti disse...

Olha, eu ja não entendo muito dos complexos mundos que a arte de fazer um filme gera, entretando já me coloco apoiando as críticas relacionadas à indústria cinematográfica. Além de ser financiada e divulgada pela grande imprensa (cujo sinômino no dicionário deveria ser "Hipocrisia" ou "Vetor de ignorância", algo do gênero), é a responsável por massacrar a qualidade do cinema brasileiro dentro da nossa fronteira e fora.